Por que a segurança psicológica precisa de customização para funcionar
- Redação GoHuman
- 23 de jul.
- 8 min de leitura
Com base nas tendências do Fórum Econômico Mundial e na experiência prática da GoHuman, Alessandra Cavalcante discute o fracasso das abordagens genéricas de segurança psicológica e propõe caminhos para construir culturas verdadeiramente resilientes e humanizadas

“Pare de tratar resiliência como uma jogada defensiva. Em vez disso, incorpore-a como um driver central de como você lidera, opera e cresce – especialmente em um mundo onde o imprevisível é o novo normal.”
Foi com essa reflexão de Jacob Aarup-Andersen, CEO da cervejaria dinamarquesa Carlsberg, que James Allibon fechou a palestra magna que conduziu no RHRio 2025.
Essa frase não saiu da minha cabeça desde então porque logo eu percebi que ela sintetiza perfeitamente um quebra-cabeças que venho montando há meses. As peças vêm de muitos lugares: da palestra do James, dos programas de segurança psicológica e desenvolvimento de líderes e equipes que minha sócia Rachel Goldgrob e eu conduzimos em diversas organizações Brasil afora este ano, de mais uma edição inspiradora do evento da ABRH-RJ e, claro, dos estudos que integram meu cotidiano.
Mas antes de mergulhar nessas conexões, queria trazer um pouco de contexto…
James Allibon é Head de Aquisição de Talentos do Fórum Econômico Mundial (WEF). Eu tive o privilégio de articular sua vinda ao Brasil. Esse foi um processo interessante e, por si só, repleto de aprendizados, mas o que eu mais queria mesmo era beber direto na fonte, ouvir o que ele tinha a dizer sobre o Future of Jobs Report 2025, relatório do WEF que considero uma leitura obrigatória para todos aqueles que desejam entender o que está acontecendo no mundo do trabalho e se preparar para o futuro.
No palco do RHRio, James usou os dados do estudo como ponto de partida para um diagnóstico de uma crise que muitos líderes preferem ignorar. Como ele disse, estamos vivendo em um tempo em que a ansiedade cresce dia a dia, a estabilidade diminui e as organizações nos empurram constantemente em direção à eficiência de curto prazo. “Isso não é compatível com o que é necessário para resiliência, que é pensar no longo prazo”, avalia.

Nas minhas mais de duas décadas navegando transformações organizacionais – da liderança de projetos globais em multinacionais, passando pela expatriação na França até processos de M&A no Brasil, e agora na GoHuman – raramente vi um momento onde a distância entre teoria e prática fosse tão perigosa. O problema não é que a segurança psicológica esteja ausente da agenda corporativa, é que as abordagens genéricas adotadas pelas empresas estão falhando sistematicamente quando deveriam estar construindo resiliência.
Aqui, voltamos ao que disse Jacob Aarup-Andersen, ao que propõe James Allibon (e o Fórum Econômico Mundial) e ao que comprovamos diariamente no nosso trabalho na GoHuman: não existe um caminho único para promover segurança psicológica nas organizações; em um mundo marcado por instabilidade, ansiedade crescente e pressão por eficiência, os desafios de gestão de pessoas exigem respostas mais humanas, adaptativas e conectadas à realidade diversa das equipes.
O problema do “tamanho único”
O discurso sobre bem-estar nunca foi tão forte – e os orçamentos também.
De acordo com o Global Wellness Economy Monitor 2024, os programas de bem-estar no ambiente de trabalho movimentaram cerca de US$ 51,8 bilhões em 2023, com previsão de crescimento de 3,1% ao ano até 2028. Mais amplamente, o mercado global de bem-estar atingiu US$ 6,3 trilhões em 2023, crescendo 9% ao ano.
No entanto, os resultados têm frustrado líderes e profissionais: 40% das pessoas entrevistadas pela Gallup para o estudo State of the Global Workplace: 2025 Report relatam altos níveis de estresse no dia anterior à pesquisa.
E no Brasil, 30% dos trabalhadores afirmaram ter sofrido burnout em 2023, segundo dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), colocando o país entre os líderes mundiais nesse tipo de adoecimento.

Ou seja, os recursos existem – o que falta é efetividade nas iniciativas.
“Temos programas de bem-estar focados no indivíduo em vez das dinâmicas de equipe e interações. Não estamos vendo resultados porque é muito one-size-fits-all, não focado no ecossistema onde as pessoas realmente trabalham”, analisa James.
De maneira prática, muitas organizações tratam segurança psicológica como se fosse um produto que pode ser padronizado e distribuído uniformemente. Na realidade, ela é um fenômeno vivo que emerge das interações específicas entre pessoas, situações e culturas organizacionais.
E aqui entra a ciência para explicar por que abordagens genéricas simplesmente não funcionam.
Quando percebemos ameaças, nosso cérebro redireciona recursos do córtex pré-frontal (pensamento crítico e criatividade) para o sistema límbico (sobrevivência). Em ambientes psicologicamente inseguros, pessoas operam cronicamente em modo “luta ou fuga”, matando a inovação e a colaboração.
O problema é que o que constitui “ameaça” varia entre indivíduos, gerações e contextos culturais. Uma reunião de feedback que energiza um Millennial pode paralisar um profissional da Gen Z. Uma mudança organizacional que a Geração X vê como oportunidade pode ser percebida como catástrofe pelos Baby Boomers.
E quem deveria estar na linha de frente criando esses ambientes seguros e personalizados? Os gestores. Mas aí enfrentamos outro desafio estrutural: apenas 44% deles receberam treinamento formal para exercer suas funções, segundo dados do State of the Global Workplace 2025. Isso é particularmente crítico porque, de acordo com a mesma pesquisa, os gestores são responsáveis por até 70% da variação no engajamento das equipes.
James Allibon reforça esse diagnóstico ao afirmar que 56% dos líderes não estão equipados para se comunicar adequadamente com suas equipes. E o cenário só piora: o engajamento dos próprios gestores caiu de 30% para 27% em 2024, justamente no momento em que mais precisamos deles para conduzir a mudança e criar ambientes psicologicamente seguros e responsivos às necessidades reais de seus times.
Dado esse contexto, talvez você esteja se perguntando: “e é possível mudar esse cenário?”. De maneira direta, a resposta é “sim”. O primeiro passo é entender como fazer isso.
Para cada geração, uma linguagem de segurança psicológica

A complexidade geracional é onde a coisa fica realmente interessante.
Como James lembrou no palco do RHRio, a forma como cada geração percebe ameaça, insegurança e pertencimento é profundamente distinta – e isso precisa ser levado em conta nos programas de segurança psicológica.
Segundo o Head de Aquisição de Talentos do Fórum Econômico Mundial (WEF), 91% dos Gen Z relatam sintomas físicos ou emocionais de estresse ao final do dia de trabalho. Eles enfrentam ansiedade climática, pressão nas redes sociais, dúvidas sobre pertencimento e um futuro econômico incerto. São, ao mesmo tempo, fluentes digitalmente e pouco preparados para conversas difíceis.
James relatou que, no WEF, grupos específicos foram criados para acolher esses jovens com mais proximidade, comunicação contínua e espaços de troca com seus pares – tudo isso porque eles prosperam em ambientes de apoio horizontal e diálogo frequente.
Mas eles não estão sozinhos. Cada geração carrega seu próprio conjunto de ameaças percebidas, expectativas e necessidades, e precisa ser olhada individualmente na hora de elaborar programas de segurança psicológica:

Como James sintetiza, “as gerações mais jovens são as mais ansiosas e tecnologicamente fluentes, mas têm menos competências interpessoais. Já as gerações mais experientes precisam se atualizar em tecnologia, mas são mais confortáveis com aspectos humanos das relações”.
Ignorar essas diferenças é desperdiçar oportunidades. Personalizar o cuidado e o desenvolvimento é o caminho mais eficaz para construir culturas organizacionais verdadeiramente seguras.
E é aqui que a inteligência artificial pode apoiar o trabalho – desde que usada com intenção. Ferramentas de IA já permitem, por exemplo:
Detectar padrões de desgaste emocional em equipes a partir de indicadores em tempo real;
Criar simulações de conversas difíceis para treinar gestores com segurança;
Personalizar trilhas de desenvolvimento baseadas em perfis geracionais, competências e contexto.
A tecnologia não substitui o humano, mas pode ampliar nossa capacidade de entender e cuidar das pessoas. E, no contexto da segurança psicológica, isso significa enxergar a singularidade de cada geração, de cada equipe e de cada indivíduo.
Como implementar segurança psicológica que realmente funciona
Como já deve ter ficado claro até aqui, a implementação eficaz de segurança psicológica customizada requer abandono completo de abordagens programáticas. Como James enfatiza, “segurança psicológica começa com gestores, sim, mas vai para todo ecossistema que construímos.”
Na GoHuman, organizamos esse trabalho em três níveis:
Individual
De equipe
Organizacional
No nível individual, precisamos desenvolver a “autoconsciência adaptativa”, capacidade de navegar mudança constante mantendo clareza sobre pontos fortes, limitações e impacto nos outros. “Autoconsciência é, provavelmente, a peça mais central na maioria dos modelos de liderança hoje”, observa James.
No nível de equipe, precisamos de gestores que não apenas compreendam a importância da segurança psicológica, mas possuam competências práticas para criá-la consistentemente. Isso inclui o que James Allibon chama de “liderança consultiva versus autoritária” – abundante apoio e consulta para ajudar a equipe crescer.
A chave para isso está na comunicação. “Quanto mais profissionais sabem o que está acontecendo e por quê, melhor compreendem o ecossistema”, destaca o Head de Aquisição de Talentos do Fórum Econômico Mundial.
E a comunicação também precisa ser calibrada para audiências específicas. Gen Z precisa de transparência extrema e feedback constante; millennials valorizam o contexto sobre como decisões afetam progressão de carreira; gen X prefere autonomia para interpretar informação.
No nível organizacional, precisamos auditar sistematicamente o que James chama “geradores de ansiedade sistêmica”. Ele questiona: “como projetamos trabalhos? Estamos reforçando a ansiedade pela forma como são projetados? Somos claros com pessoas sobre reestruturações, proibições de viagem, congelamentos de contratação?”.
Esta auditoria deve examinar não apenas políticas formais, mas práticas informais que inadvertidamente criam ansiedade. “Como as mudanças tecnológicas são introduzidas? Como o feedback é fornecido? É construtivo ou crítico?” Essa são algumas das perguntas que precisamos nos fazer.
Por fim, é preciso ter em mente que segurança psicológica não é um destino, é um processo contínuo. Não adianta criar uma iniciativa hoje, avaliá-la como um sucesso e achar que nunca mais precisará tocar nesse tema. Se a preocupação não for constante e cotidiana, a tendência é que em pouco tempo os problemas voltem a aparecer – e o nível de segurança psicológica, a cair.
A escolha que define o futuro
Ao final da sua apresentação no RHRio 2025, James Allibon fez um chamado à ação. Segundo ele, “se trabalhamos através de nossos silos e desbloqueamos capacidades da IA para capacitar a força de trabalho, não tratamos mais a resiliência como ato defensivo, somos proativos. Isso coloca toda a força de trabalho em um lugar de esperança em vez de ansiedade.”
Essa não é uma ideia abstrata, e sim uma decisão prática e urgente. Dois caminhos claros se apresentam para líderes e organizações: continuar insistindo em abordagens genéricas que tratam pessoas como blocos uniformes ou adotar uma atuação intencional e personalizada, conectada às necessidades reais de cada geração, contexto e equipe.
Organizações que seguirem pelo primeiro caminho ficarão presas em ciclos de desengajamento, adoecimento e baixa adaptabilidade. Já aquelas que investirem na construção de ambientes psicologicamente seguros e personalizados prosperarão, porque terão cultivado resiliência de verdade: aquela que não depende da ausência de crise, mas da capacidade de enfrentá-la com humanidade e clareza.
Na GoHuman, vemos esta oportunidade diariamente em nosso trabalho com organizações brasileiras. Temos uma capacidade única de demonstrar que eficiência e humanização não são opostos, mas sinérgicos quando aplicados com sabedoria contextual. Nossa missão de humanizar líderes, equipes e organizações nunca foi mais relevante ou urgente.
Como James nos lembrou através de sua honestidade sobre imperfeição, até especialistas são humanos tentando fazer melhor. A diferença está na disposição de reconhecer que cada pessoa tem necessidades únicas, que merecem atenção customizada; cada contexto tem desafios específicos, que requerem soluções adaptadas; e cada momento histórico oferece oportunidades que devemos abraçar com coragem e sabedoria.
O futuro do trabalho não será determinado por algoritmos, mas por nossa capacidade coletiva de criar ambientes onde pessoas podem prosperar em sua autenticidade, especialmente em meio à mudança constante. Essa capacidade começa com o abandono de soluções genéricas e o abraço da complexidade de trabalhar com seres humanos diversos em um momento de transformação acelerada.
Let’s GoHuman! Juntos, podemos criar organizações que honram tanto o potencial tecnológico quanto a dignidade humana, uma conversa customizada por vez. Entre em contato e vamos conversar.
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