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A Inteligência artificial e o futuro das relações humanas

Foto do escritor: Redação GoHumanRedação GoHuman

Entenda como o uso excessivo da inteligência artificial pode impactar as relações humanas no ambiente corporativo e saiba como adotar essa tecnologia de maneira responsável, mantendo a empatia no centro das interações

 

Há bastante tempo, histórias assustadoras de ficção científica que falam sobre como a inteligência artificial (IA) vai se revoltar contra os humanos, tomar nosso lugar e dominar o mundo ocupam nosso imaginário – e as telas de cinema. 


Recentemente, porém, essas narrativas ganharam peso, à medida que pesquisas indicam que quase metade (40%) dos postos de trabalho em todo o mundo serão afetados pela IA. Contudo, nesse caso, as chances de a vida imitar a arte são poucas…


Ao longo da História, temores de que novas tecnologias causariam desemprego em massa se mostraram infundados, pois os avanços tecnológicos sempre levaram à criação de novos tipos de empregos – mesmo enquanto eliminavam outros.

 

Da mesma forma, a IA deve, sim, afetar significativamente muitos empregos, com alguns inclusive desaparecendo, mas também criará novos papéis e funções.


O fato é que a questão central vai além dos impactos no emprego. Estamos diante de um desafio muito mais profundo: como a inteligência artificial afetará os modos de trabalho, as interações nas organizações e, em última instância, a qualidade das relações humanas.


Cientes de que discutir sobre esses assuntos é crucial para construir culturas humanizadas, mas alinhadas ao momento que vivemos, estudamos esse tema profundamente para poder auxiliar nossos clientes e parceiros a navegar nesse mundo novo da melhor forma possível. A seguir, apresentamos os resultados desse mergulho.

 

Uma análise sobre a relação entre inteligência artificial, produtividade e saúde mental

 

A promessa da IA é irresistível: mais produtividade, análise de dados em velocidade recorde e libertação das tarefas repetitivas. 


Por isso mesmo, tanto organizações quanto profissionais estão fascinados com a forma como essas ferramentas permitem trabalhar mais e melhor, mais rápido do que nunca.

 

De acordo com o relatório “The state of AI in 2024”, da McKinsey, 65% das empresas em todo o mundo já estão utilizando IA regularmente. Além disso, segundo o Statista, o mercado global de IA deve crescer 28,46% anualmente até 2030, resultando em um volume de mercado de US$ 826,70 bilhões até o fim da década. Ou seja, é evidente que essa é uma tendência central no ambiente corporativo.


No entanto, é importante que as organizações não se deixem levar pela ânsia de obter os ganhos de eficiência prometidos pelo uso da IA e esqueçam seu ativo mais importante: os humanos, cujas tarefas estão sendo fragmentadas em processos cada vez mais automatizados.

 

Estudos publicados pela Harvard Business Review apontam que o foco excessivo na tecnologia pode acarretar consequências indesejadas, como a redução da satisfação no trabalho, da motivação e do bem-estar. 


Um levantamento realizado pelos pesquisadores na área de gestão David De Cremer e Joel Koopman, por exemplo, analisou os efeitos do uso da IA no ambiente de trabalho, focando em seu impacto no bem-estar dos colaboradores. A análise concluiu que, embora a IA traga ganhos de eficiência, ela também pode gerar isolamento social e efeitos negativos na saúde mental.

 

Estas foram algumas descobertas de Cremer e Koopman:

 

  • Redução das interações humanas – À medida que a IA assume tarefas que antes envolviam colaboração ou comunicação entre colegas, as oportunidades de interação humana no ambiente de trabalho diminuem. Isso inclui a resolução de problemas, discussões sobre projetos e até mesmo conversas informais que fortalecem os laços.


  • Fragmentação do trabalho – O trabalho das pessoas é fragmentado em tarefas específicas que são cada vez mais automatizadas pela IA. Com isso, os profissionais acabam se concentrando mais nas tarefas que a IA lhes atribui e menos em colaborar com os colegas, o que pode levar a uma sensação de isolamento.

 

  • Diminuição da assistência mútua – Como a IA é capaz de resolver problemas e fornecer suporte de maneira eficiente, os funcionários tendem a depender menos uns dos outros para solucionar problemas, o que diminui ainda mais as oportunidades de interação e apoio mútuo.

 

  • Consequências psicológicas – Essa diminuição nas interações sociais pode levar a sentimentos de solidão e desconexão, o que, por sua vez, pode resultar em comportamentos negativos, como aumento do consumo de álcool e problemas de sono.


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As limitações da IA e a intimidade artificial

Inteligência artificial e o futuro das relações humanas
Foto de Igor Omilaev na Unsplash

Você lembra qual foi sua sensação ao usar pela primeira vez o ChatGPT? Surpresa? Deslumbramento? Medo? Todas essas reações são comuns. Afinal, a plataforma foi uma das primeiras a demonstrar, na prática e de maneira acessível, a capacidade das máquinas de agir como um humano – e, mais assustador ainda, com um nível de agilidade imbatível.

  

Porém, apesar de ser capaz de reconhecer emoções humanas com base em análise de movimentos faciais (ainda que de forma limitada), identificando, por exemplo, sinais de felicidade ou tristeza, a inteligência artificial não consegue entender essas emoções da mesma maneira como nós as percebemos. 


É por isso que habilidades intrinsecamente humanas, como a empatia e a compaixão, estão fora do alcance das máquinas.

 

Devido a essa limitação, a IA acaba gerando a chamada intimidade artificial.


Esse conceito, apresentado pela primeira vez no relatório Artificial Intimacy, do Aspen Institute, refere-se à capacidade de sistemas de inteligência artificial de simular respostas emocionais e criar interações que imitam as relações humanas.

 

Isso acontece porque vários aspectos da IA, como voz neutra e respostas empáticas programadas, podem dar a impressão de comportamentos humanos, simulando uma conexão. 

 

A psicoterapeuta Esther Perel define a intimidade artificial como as conexões e interações que, embora pareçam íntimas e próximas, são na verdade superficiais e desprovidas da profundidade emocional e da complexidade que caracterizam as verdadeiras relações humanas.

 

“A intimidade artificial é mediada por tecnologias, como inteligência artificial e redes sociais, que oferecem a sensação de proximidade e conexão, mas que, na realidade, não conseguem reproduzir a autenticidade, a vulnerabilidade e a reciprocidade que são essenciais para a verdadeira intimidade”, comenta.

 

Esther também destaca que esse tipo de intimidade artificial é marcado por ‘conexões interrompidas’ e uma presença ‘meio distraída’, em que as pessoas estão fisicamente presentes, mas emocionalmente ou psicologicamente ausentes.

 

Ela alerta que a normalização dessas interações está diminuindo nossas expectativas sobre o que significa realmente estar conectado com outra pessoa, o que pode ter implicações negativas na qualidade dos relacionamentos humanos.

 

“Nosso foco atual em tornar tudo mais suave e polido, evitando grandes obstáculos e pequenos desconfortos, sem dúvida tem facilitado nossas vidas. No entanto, essas tentativas de eliminar a dor, a inconveniência e o desconforto estão nos deixando despreparados para lidar com a complexidade da natureza humana, do amor e da vida”, reforça.

 

Riscos de vieses e implicações éticas da IA

Riscos de vieses e implicações éticas da IA
Foto de Solen Feyissa na Unsplash

Outro fator importante ao considerar a maneira como a inteligência artificial pode impactar as relações humanas é o fato de que essas ferramentas são programadas por pessoas. Dessa forma, muitos de nossos comportamentos são reproduzidos pelas máquinas.

 

Ou seja, apesar do discurso comum de que a IA pode superar a subjetividade, o viés e o preconceito humanos, na prática, essa tecnologia muitas vezes replica (e até amplifica) preconceitos já existentes na sociedade.

 

A consequência é que a dependência de ferramentas de inteligência artificial para tomar decisões e guiar estratégias pode resultar em escolhas injustas, carregadas de vieses (em processos de contratação ou análises de promoções, por exemplo).

  

Além disso, há uma preocupação de que, se não forem cuidadosamente calibrados, os sistemas de IA podem introduzir novas formas de discriminação em larga escala, especialmente contra grupos historicamente marginalizados. Isso inclui o uso irresponsável dessa tecnologia no ambiente de trabalho, que pode resultar na invasão de privacidade e na potencial vigilância excessiva.

 

Tudo isso tem o potencial de impactar significativamente as relações humanas no trabalho, gerando desconfiança, ansiedade e estresse. E ainda, a perpetuação de preconceitos por sistemas automatizados pode minar esforços de diversidade e inclusão, afetando negativamente a moral, a autoestima e o bem-estar dos colaboradores.

 

Por fim, é possível que o uso abusivo da IA leve à alienação e despersonalização, fazendo com que os trabalhadores sintam que suas habilidades humanas são menos valorizadas.


Alessandra Cavalcante, cofundadora da GoHuman, alerta que outro perigo do foco excessivo na tecnologia, em detrimento das relações humanas, é a perda de senso crítico.

Alessandra Cavalcante

“Quando começamos a aceitar respostas sem questionar, interagindo com as ferramentas de inteligência artificial sem hesitar/questionar, corremos o risco de perder nossa capacidade analítica e comprometer nosso pensamento criativo, habilidades-chave apontadas pelo Fórum Econômico Mundial (WEF) no relatório Future of Jobs. Acredito que além das discussões éticas inerentes ao uso da ferramenta, precisamos pensar em como continuar estimulando o pensamento crítico, o hábito de questionar e aprender”, reflete.


Rachel Goldgrob, cofundadora da GoHuman, concorda com Alessandra e salienta que outro risco nesse sentido é que a tecnologia pode acabar virando um escudo, que bloqueia as possibilidades de trocas e interações autênticas no ambiente de trabalho. 

Rachel Goldgrob

“O ser humano, como o Yuval Harari menciona, é um contador de histórias, e a história é construída por meio dessa troca. Quando perdemos isso, perdemos o aprendizado em comunidade. A IA traz alguns desafios a esse processo, parte do desenvolvimento da civilização humana. Por exemplo, permite que a tecnologia crie histórias ou ideias por conta própria. Portanto, precisamos refletir sobre como podemos fazer com que a tecnologia seja uma aliada, a serviço do humano, e não o contrário, onde ficamos reféns dela”, aponta.


Como usar a inteligência artificial de forma responsável nas organizações?

 

Citando o relatório do Instituto Aspen sobre intimidade artificial, o especialista em Transformação Digital Andrea Iorio indica que, ao implementar sistemas de inteligência artificial, as organizações não devem tratar essa tecnologia como um “Big Brother” – uma autoridade onipresente que manipula o comportamento individual por meio de vigilância e hiperpersonalização.

 

Ao contrário, ele ressalta que deve ser adotada uma abordagem “Big Mother”. Nessa perspectiva, a IA é vista como uma figura materna que conhece as necessidades e fraquezas dos indivíduos e os apoia nesse sentido.

 

“Pense bem: uma mãe conhece as suas fraquezas, mas te ajuda a superá-las; te ensina a tomar decisões de forma mais clara; te protege dos mal-intencionados e nunca revela seus segredos; te ajuda a ser o melhor humano que você puder ser”, explica.

 

A ideia é que a IA deve ser uma aliada que complementa as habilidades humanas, especialmente as soft skills, promovendo um ambiente em que a tecnologia empodera as pessoas, em vez de aliená-las.

  

Como a inteligência relacional pode ajudar a tornar o uso de IA menos prejudicial nas organizações?

 

A inteligência relacional se refere à habilidade de compreender, gerenciar e nutrir relacionamentos de forma saudável, reconhecendo e respeitando as diferenças individuais, entendendo as dinâmicas de poder em relacionamentos e cultivando relações mutuamente benéficas.


Ao promover uma cultura que valoriza e incentiva a inteligência relacional, a empresa garante que o uso de tecnologia fortalece as relações humanas, em vez de enfraquecê-las, mantendo a ética, a empatia e o bem-estar no centro das interações.

 

Empresas que valorizam a inteligência relacional estarão mais conscientes dos impactos sociais e emocionais das suas decisões sobre IA, assegurando que os sistemas não sejam discriminatórios e que respeitem a dignidade dos indivíduos.


Alessandra e Rachel comentam que utilizam esse conceito de inteligência relacional em suas consultorias para estimular espaços de trocas entre os colegas. 


Em um contexto em que as empresas estão lutando para equilibrar a integração da IA com a facilitação das relações humanas e das interações mediadas pela tecnologia, elas reforçam que é importante estabelecer acordos claros sobre a importância das conversas autênticas. 


“Com o avanço da tecnologia, corremos o risco de perder a autenticidade nas relações. Um exemplo é quando você recebe um feedback que foi gerado por uma IA, isso tira a autenticidade da conversa e enfraquece a relação. Então, a tecnologia pode ser usada para facilitar o trabalho, mas não podemos deixar que ela elimine as conversas autênticas. Precisamos continuar incentivando espaços de diálogo e interação real entre as pessoas”, indica Rachel.


Alessandra comenta ainda que a inteligência relacional é um fator fundamental para o desenvolvimento humano, pois incentiva a troca, o debate e a empatia – coisas que a IA ainda não consegue replicar. 


“No ChatGPT, por exemplo, se você diz que algo está errado, ele simplesmente responde ‘Obrigado, estou aprendendo’. Isso não gera uma discussão, um debate de ideias. A divergência de pensamento e a capacidade de debater e construir algo a partir de visões diferentes são essenciais ao desenvolvimento humano. O conflito intelectual nos oferece um olhar ampliado, considerando diferentes perspectivas e a possibilidade de alcançar novos resultados. Essa troca, que podemos chamar de expansão de conhecimento, é algo que precisamos preservar, porque as máquinas ainda não aprenderam a fazer”, conclui.


A GoHuman promove discussões como esta em times executivos e conselhos. Gostaria de conhecer o nosso trabalho? Entre em contato e saiba como podemos ajudar.

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