Entenda o que é transtorno bipolar, conheça os desafios enfrentados por profissionais que lidam com essa condição e prepare-se para apoiá-los melhor
O transtorno bipolar atinge atualmente cerca de 140 milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil, estima-se que 15 milhões de indivíduos convivam com esse diagnóstico.
Para entender os mitos e estigmas que afetam os profissionais que sofrem com a chamada bipolaridade e saber como criar um ambiente de trabalho acolhedor para eles, conversamos com Pablo Brandão de Souza, psiquiatra especialista nessa área.
O que é transtorno bipolar?
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o transtorno bipolar é uma doença tratável que leva o paciente a apresentar mudanças extremas de humor e de níveis de atividade. Essas mudanças são diferentes dos altos e baixos habituais que todo mundo sente, pois causam prejuízos à capacidade funcional dos indivíduos.
Normalmente, pessoas com transtorno bipolar têm ‘episódios maníacos’ (ou fase de mania), com humor elevado e aumento dos níveis de energia e atividade, e ‘episódios depressivos’ (ou fase de hipomania), em que o humor fica baixo e os níveis de energia e atividade caem.
“É importante ressaltar que o transtorno bipolar não está ligado somente à alteração de humor, é algo que diz respeito ao aumento e à diminuição patológica da energia psicomotora”, esclarece Pablo.
Ele explica que, durante a fase de mania, uma pessoa pode se sentir excessivamente eufórica, energizada, irritável e ansiosa. Estes períodos podem também incluir comportamentos impulsivos, tomadas de decisão precipitadas e uma percepção reduzida da necessidade de descanso.
Por outro lado, nos episódios depressivos, o indivíduo pode experimentar sentimentos intensos de tristeza, desesperança e perda de interesse ou prazer nas atividades habituais. Essa fase pode ser debilitante e afetar significativamente a capacidade da pessoa.
Sintomas do Transtorno Bipolar
Os sintomas do transtorno bipolar podem alternar segundo a fase (mania ou depressão) e também variam em intensidade. Em alguns casos, as pessoas experimentam sintomas de mania e depressão simultaneamente, o que é conhecido como um episódio de características mistas.
Sintomas comuns em um episódio maníaco:
Sintomas comuns em um episódio depressivo:
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Desafios dos profissionais com transtorno bipolar
Uma em cada oito pessoas no mundo convive com algum tipo de transtorno mental. Além disso, estima-se que 15% dos adultos no mercado de trabalho sejam afetados por transtornos psiquiátricos.
Ou seja, equilibrar os sintomas dos problemas de saúde mental com as demandas do ambiente corporativo é algo que faz parte da vida de muitos trabalhadores.
Porém, quando se trata do transtorno bipolar, esse equilíbrio se torna especialmente difícil. Afinal, os desafios enfrentados pelos profissionais com essa condição são exacerbados pelos estigmas e mitos em torno dela e pela falta de preparo das empresas em lidar com funcionários com esse tipo de transtorno mental.
Algumas pesquisas indicam taxas de desemprego elevadas (40-60%) entre pessoas com transtorno bipolar, muitas vezes devido ao subdesempenho no trabalho. Contudo, outros estudos mostram estabilização no status de emprego após cerca de seis anos de trabalho, mesmo em casos graves do transtorno.
E ainda, análises indicam que a taxa de desemprego entre pessoas com transtorno bipolar pode ser menor do que a identificada, justamente porque nem todos os profissionais revelam sofrer essa condição.
Inclusive, o preconceito em torno do transtorno bipolar é o principal desafio enfrentado pelos profissionais com essa condição. Afinal, a falta de conhecimento e de preparo das organizações em relação a essa doença faz com que não ofereçam um ambiente acolhedor – e, em muitos casos, a cultura estabelecida propicia cenários que agravam os sintomas.
Para se ter uma ideia de como o estigma em torno do transtorno bipolar atrapalha a vida profissional de pessoas com essa condição, um levantamento feito no Reino Unido apontou que:
Muitos gerentes de RH têm a percepção de que pessoas com transtornos psiquiátricos não rendem tanto no trabalho. Por isso, tendem a pedir ‘informações adicionais’ quando um candidato menciona ter esse tipo de histórico.
Aproximadamente metade dos empregadores prefere não contratar alguém com diagnóstico psiquiátrico – e cerca de dois terços dos empregadores de empresas privadas, especialmente as de pequeno e médio porte, afirmam que nunca contrataram alguém com essa condição de forma intencional.
O relatório indica ainda que pessoas com transtornos mentais muitas vezes perdem chances de treinamento, promoção ou mudança de área por conta do estigma em torno de sua condição.
Segundo a análise, é comum que colegas enxerguem a saúde mental frágil como um ‘defeito pessoal’. E ainda, muitos se sentem desconfortáveis ao trabalhar ao lado de alguém com esses problemas, principalmente se a pessoa estiver passando por um momento difícil.
Mitos e estigmas sobre transtorno bipolar no ambiente de trabalho
1) A ideia de que a condição é uma questão de escolha
“O transtorno bipolar é uma doença psiquátrica. É importante frisar isso porque às vezes as pessoas o encaram como uma questão de caráter. E isso é muito ruim para o paciente, pois cria uma barreira que o impede de buscar ajuda e tratamento. Afinal, a partir do momento que seu problema é considerado algo como ‘falta de caráter’, a pessoa tem vergonha de procurar ajuda”, destaca Pablo Brandão de Souza.
2) O mito da hiperprodutividade em fase de mania
Existe também uma visão equivocada de que, durante episódios maníacos, o profissional com transtorno bipolar se tornará um ‘funcionário padrão’. Porém, o médico alerta que o fato de nessa fase a pessoa se sentir mais agitada e ativa não deve ser encarado como uma ferramenta de produtividade.
“Assim como com qualquer funcionário, sinais de hiperatividade além da conta e falta de descanso da pessoa com transtorno bipolar devem ser olhados com cautela, pois sinalizam um possível burnout e deterioramento da saúde física e mental”, analisa.
3) A percepção de que pessoas com transtorno bipolar não podem trabalhar
“Diversas pessoas têm que ter cuidados diferentes com certas situações relacionadas ao trabalho, sem necessariamente prejudicar suas performances profissionais. O mesmo ocorre com funcionários com transtornos bipolar. Essa não é uma doença que tira a capacidade laborativa da pessoa. Aliás, uma rotina estabelecida de trabalho ajuda muito no tratamento”, explica Pablo.
Ou seja, com o apoio e as adaptações adequadas, esses indivíduos podem ser tão produtivos quanto quaisquer outros.
O que fazer para mudar esse cenário?
Como os dados e informações deste artigo indicam, ainda que as pessoas com transtorno bipolar enfrentem desafios específicos relacionados a essa condição, o principal obstáculo profissionalmente é a falta de acolhimento e preparo das organizações.
A boa notícia é que melhorias no ambiente de trabalho, como apoio de empregadores e colegas, podem beneficiar pessoas com transtorno bipolar. Aliás, mais do que isso, são essenciais para o sucesso profissional desses indivíduos.
Oferecer esse cenário exige uma transformação importante na cultura das organizações, que devem colocar a saúde mental no centro das práticas e processos empresariais.
Recentemente, o Ministério da Saúde divulgou uma atualização da lista de doenças relacionadas ao trabalho, incluindo patologias psiquiátricas como burnout, depressão e dependência química.
Ou seja, cada vez mais fica evidente que as organizações precisam ter um posicionamento mais ativo e assumir suas responsabilidades em relação ao adoecimento mental dos profissionais.
Nesse sentido, uma questão bastante relevante é a criação de um ambiente de trabalho com níveis elevados de segurança psicológica, em que as pessoas se sintam à vontade para serem elas mesmas, sem medo de revelar, por exemplo, que sofrem algum tipo de transtorno mental.
Proporcionar um contexto favorável para o compartilhamento desse tipo de informação é muito importante. Afinal, o conhecimento sobre as condições de saúde mental dos funcionários é crucial para oferecer uma estrutura adequada para acolher esses indivíduos. Além disso, ao ser mais transparente sobre sua saúde mental, o profissional terá mais liberdade para indicar suas necessidades específicas.
Quer entender melhor como criar culturas psicologicamente seguras? Leia os artigos que estão aqui.
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