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O que o teatro e a música ensinam sobre colaboração, bem-estar e liderança

  • Foto do escritor: Redação GoHuman
    Redação GoHuman
  • 10 de out.
  • 7 min de leitura

Diretor de teatro e musicista revelam como princípios das artes podem transformar sua forma de liderar, colaborar e criar ambientes mais saudáveis


Rachel Goldgrob

A arte sempre esteve presente na minha vida – especialmente a música, que arrisco dizer ser minha maior paixão. A música, o teatro e outras formas de expressão criativa têm uma capacidade única de nos conectar com nós mesmos e com os outros de um lugar menos racional. Elas nos mobilizam e produzem sensações e emoções que facilitam a exploração de novas possibilidades de ser e sentir.


Como disse Nietzsche, “sem a música, a vida seria um erro”. E se pensarmos no trabalho a partir da música, fica fácil perceber que precisamos de ritmo, harmonia e pausas para que tudo dê certo em todas essas relações.


Justamente por navegar no universo das artes desde sempre, tive a sorte de ter encontrado tantas pessoas, amigos e artistas interessantes em diferentes momentos da vida. Dois desses encontros se transformaram recentemente em episódios do nosso podcas GoHuman Talks.


André Paes Leme é diretor de teatro há mais de 25 anos e atua como professor no curso de Direção Teatral da UniRio, instituição reconhecida por formar grandes atores. Nossa conversa passou pelos paralelos entre a experiência dele e as lideranças corporativas – especialmente sobre como criar ambientes seguros para transformação e risco criativo. Se você ainda não ouviu, recomendo. O episódio está disponível aqui.


Monique Aragão é pianista, compositora e preparadora vocal. Com 10 CDs autorais lançados e uma vasta experiência ensinando artistas que vivem sob pressão constante de performance, ela falou sobre como a música trabalha em três níveis fundamentais – mental, físico e emocional – e o que isso pode ensinar sobre colaboração e escuta no mundo corporativo. Outro programa que vale a pena ouvir – aqui.


Embora tenham sido conversas distintas, há uma intersecção entre elas. Neste artigo, conecto essas peças e mostro o que o teatro e a música ensinam sobre liderança humanizada e construção de uma cultura saudável e psicologicamente segura


A ideia é que você compreenda como os princípios das artes podem transformar sua forma de liderar, colaborar e criar ambientes saudáveis, e se inspire a experimentar um pouco mais de arte no seu trabalho.


A transformação como competência central


“O teatro é um turbilhão transformador da personalidade. (...) Eu sou uma pessoa em cada trabalho que começo e outra a cada trabalho que termino.” André Paes Leme


Quando ouvi o André falar sobre a transformação inerente ao trabalho teatral, imediatamente pensei em quantos líderes resistem à ideia de que precisam mudar constantemente. 


No ambiente corporativo, a transformação frequentemente é vista como perda de identidade ou inconsistência. Mas o teatro ensina que mudança não é instabilidade, é crescimento. 


André Paes Leme

“O teatro provoca uma necessidade de aprender a lidar com as suas mudanças a partir daqueles com quem você convive”, explica André. E aqui está a conexão com liderança que muitos negligenciam: a transformação verdadeira acontece por meio das relações, não apesar delas.


Isso se manifesta de forma prática na direção teatral. “Com alguns atores você pode ser muito objetivo, muito direto; com outros, tem que ser extremamente cuidadoso. Com uns, o rigor da fala pode ser necessário; com outros, é a doçura que faz a pessoa agir”, observa o diretor teatral. E não é um workshop que desenvolve essa flexibilidade, é a prática diária de observar, escutar e se adaptar genuinamente a cada pessoa. 


O mesmo vale para o ambiente corporativo, e a atenção e a presença integral são os principais elementos desse processo.



Transformação x autenticidade: paradoxo ou processo natural?


Transformação x autenticidade: paradoxo ou processo natural?

Aqui, preciso falar sobre algo que observei durante a conversa que tive com André e que noto que confunde muitos profissionais. 


A gente fala muito sobre autenticidade, e às vezes fica uma impressão de que temos que estar presos a uma identidade fixa para sermos autênticos. Porém, como bem lembrou André, nenhum de nós tem uma identidade fixa. Pelo contrário, a transformação cotidiana faz parte da autenticidade.


Trazendo o teatro para a conversa, o diretor afirma que o personagem não é outra pessoa senão o próprio artista que está no palco. “Isso é um grande aprendizado porque o ator lida com sentimentos e sensações desconhecidos o tempo todo”, aponta.


Ou seja, ser autêntico é estar genuinamente presente, não ser sempre igual. Porém, é inegável que essa tensão entre autenticidade e transformação faz muitas lideranças travarem. Profissionais em novas posições frequentemente se sentem artificiais. 


O teatro ensina que experimentar diferentes facetas é justamente o que nos torna completos. E para estar presente e ser autêntico nessas diferentes facetas é preciso uma habilidade essencial para os músicos – a arte de escutar.


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A escuta em múltiplas dimensões


A visão de Monique sobre colaboração na música entra exatamente nesse ponto. 

Ela destaca que, quando músicos tocam em uma banda, eles têm que se ouvir muito bem. “Em primeiro lugar, ouvir a si mesmos. Mas depois também ouvir muito bem o solista e o baixo que dá sustentação, por exemplo. É preciso colocar tudo isso em planos”, aponta.


Isso é interessante porque assim como um músico equilibra sua performance com atenção aos demais, os líderes precisam balancear objetivos individuais com necessidades da equipe. 


Monique Aragão

Neste ponto, Monique alerta que, muitas vezes, acontece o contrário. “A pessoa só está vendo o outro e começa a se comparar; não tem noção de si e começa a invejar o outro. Normalmente, o problema está no fato de que aquela pessoa não está se ouvindo também”, comenta.


Esse é um perigo comum, que inclusive costuma ser responsável por destruir a colaboração entre as pessoas de uma equipe de trabalho. 


Nos programas de desenvolvimento de líderes que desenvolvemos na GoHuman, destacamos que cabe ao líder lembrar que é preciso equilibrar se ouvir e ouvir os outros – uma habilidade que exige intencionalidade e que só acontece em ambientes onde é seguro errar, experimentar e ser autêntico. 


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Onde o bem-estar e a segurança psicológica encontram as artes


Onde o bem-estar e a segurança psicológica encontram as artes

“A música trabalha três níveis muito importantes – um nível mental, um nível físico e um nível anímico, uma coisa transcendente que sai do corpo e da mente e vai para outro nível, que eu gosto de chamar de emocional.”

Monique Aragão


Toda essa conversa nos traz até a forma como o bem-estar é abordado nas organizações. E, de maneira geral, não é a ideal. O que mais observamos são empresas oferecendo um app de meditação aqui, uma sessão de yoga ali, talvez um programa de saúde mental com começo e meio e fim, e só. Mas as artes ensinam – e nossa experiência comprova – que o bem-estar verdadeiro emerge quando mental, físico e emocional trabalham em harmonia.


Como Monique observa, “a mente tem que estar um passinho atrás de tudo, porque ela é gerente, não é a dona do processo. O processo requer o equilíbrio entre esses aspectos”. E, ela alerta, o corpo avisa quando ignoramos esse equilíbrio. “As emoções são muito explícitas. Elas gritam. A gente é que não presta atenção. Elas gritam no probleminha de pele que aparece, naquela dor de estômago, no burnout”, aponta a musicista.


Isso ressoa profundamente com o que vemos nas organizações. Os programas de bem-estar focam no indivíduo isolado, quando deveriam estar atentos ao ecossistema onde as pessoas trabalham. 


A prática artística coletiva – seja um ensaio teatral ou uma banda tocando – oferece um modelo diferente, em que o bem-estar é resultado natural de relações saudáveis, não como correção individual.


André reforça isso quando descreve o ambiente de ensaio. “É um espaço de muita harmonia e confiança onde você tem a coragem de falar de coisas absurdas, ideias loucas ou fazer coisas fora da curva, e isso não vai ser motivo de censura ou crítica. É um espaço de uma certa intimidade coletiva que tem que ser preservada”.


Enquanto André falava sobre os erros como parte do dia a dia no teatro e das ideias compartilhadas entre os profissionais, ficou claro para mim que ele estava descrevendo a segurança psicológica em sua forma mais pura. 


E aqui está a conexão fundamental: a segurança psicológica não é apenas uma condição para a inovação, também é um fundamento para o bem-estar integral.


A diferença é que no teatro e na música essa atmosfera não é vista como “algo bom de se ter”, é condição básica para o trabalho acontecer. Afinal, sem segurança psicológica, não há experimentação. Sem experimentação, não há criação. Sem criação, não há teatro – nem música – de qualidade.


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A liderança artística como ponto de virada


A última peça desse quebra-cabeças é, é claro, a liderança.


Ao longo das conversas com André e Monique, um padrão emergiu sobre o que significa liderar de verdade.


André define seu trabalho: “todo o meu percurso profissional só se solidificou por conta de uma atenção a essas relações, a esse cuidado. Um diretor é um comunicador interno – eu troco informações, trago ideias, escuto os outros”, conta. E acrescenta: “eu sou incapaz de ter uma fala agressiva ou autoritária. Não se grita no ensaio. Existe uma tentativa de ter serenidade para lidar com a proporção certa do desequilíbrio”.


Isso redefine liderança como curadoria de ambientes e relacionamentos, não exercício de poder. O líder não tem todas as respostas, mas cria condições para que respostas venham do coletivo. 


Porém, para criar essas condições, é preciso coragem. E Monique é direta sobre de onde essa coragem precisa vir: “os líderes mesmos têm que começar a fazer um trabalho artístico, coisas que nunca fizeram antes. Tendo essa experiência, vão querer levar isso para seus colaboradores”.


A verdade é que não é possível pedir vulnerabilidade de quem nunca viu isso modelado pela liderança. A transformação cultural começa pelo exemplo, não pelo discurso. E talvez seja exatamente por isso que as artes têm tanto a ensinar: porque nelas, vulnerabilidade e excelência caminham juntas, não em oposição.


“O trabalho é onde você vai se expressar na vida. Quando você trabalha num lugar opressor, você não está se expressando”, disse Monique. 


Então vamos buscar construir ambientes que possibilitem mais expressão e menos opressão. Porque, no fim, as conversas com André e Monique revelam que a liderança do futuro será fundamentalmente artística – não no sentido de criar obras de arte, mas de adotar os princípios que tornam criação artística possível: autenticidade fluida, colaboração genuína, experimentação constante, escuta em múltiplas camadas.


Assim como um diretor teatral cria condições para cada ator brilhar, ou como um músico equilibra performance individual com harmonia do conjunto, líderes contemporâneos precisam ser curadores de ambientes onde pessoas se expressam plenamente, com o apoio de práticas cotidianas – escuta genuína, criação de espaços seguros para experimentação e valorização do processo tanto quanto do resultado.


Fica então aqui uma pergunta: o que você pode aprender com a arte para ampliar as possibilidades de expressão e colaboração no ambiente de trabalho?

Na GoHuman, ajudamos organizações a transformar confiança e segurança psicológica em cultura também por meio de práticas inspiradas nas artes e nas ciências comportamentais. Precisa de ajuda nesse processo? Fale com a gente.

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